Quando a era do streaming começou muitos anos atrás, com a entrada da Netflix no mercado latino-americano, tudo se resumia a ter acesso a conteúdo "internacional". Ser capaz de assistir a esses programas e, em menor medida, filmes que não estavam disponíveis nas redes locais, representou uma revolução. Graças à Netflix, do dia para a noite, o acesso a quantidade excessiva de conteúdo se tornou realidade para qualquer pessoa com conexão de internet decente.
Ano após ano, o mercado over-the-top (OTT) evoluiu com novos concorrentes entrando em cena. Inicialmente, foram os players locais e regionais, como Globoplay e Claro Vídeo, que entraram na arena com modelos de negócios diferentes.
Mais recentemente, os principais players globais desembarcaram no País, alterando drasticamente o ambiente de streaming e introduzindo complexidade com a qual os consumidores ainda estão se adaptando.
O CONTEÚDO É REI
À medida que vivemos em era na qual o acesso ao conteúdo já não é problema, quais são os desafios enfrentados pelos produtores e distribuidores de conteúdo? À primeira vista, a resposta parece ser simples. Se trata de oferecer o melhor conteúdo. No entanto, compreender o que é o "melhor conteúdo" e como entregá-lo parece ser pergunta mais complexa de responder.
Se pode argumentar que, em passado recente, a pergunta acima poderia ter sido resolvida oferecendo "conteúdo global exclusivo". Há mais de dez anos, isso era possível, uma vez que havia quantidade considerável de conteúdo global não disponível na região. Então, apenas disponibilizá-lo era suficiente para atender a demanda dos consumidores. As plataformas de streaming eram o complemento perfeito para as redes de televisão, cada uma se concentrando em satisfazer diferentes necessidades.
Dito isso, não é surpreendente quando voltamos no tempo até 2018 e descobrimos que 70% do catálogo da Netflix para o Brasil consistia em conteúdo em inglês e representava mais de 85% da demanda total gerada. Além disso, os programas originais digitais mais populares de 2018 eram todos produções internacionais.
No entanto, à medida que os anos passaram, entramos em era de streaming mais complexa. Apenas para citar alguns exemplos, produtores de conteúdo, como Disney e Warner Bros., se tornaram grandes distribuidores de conteúdo, forçando outras plataformas a produzirem novos conteúdos.
Outro ponto que mudou o jogo é que o conteúdo de redes de televisão agora está disponível ao mesmo tempo no streaming em canais FAST e plataformas AVOD/SVOD (vídeo on demand gratuito com anúncio e pago, respectivamente). Programas como Big Brother, que costumavam ser vistos na TV linear, agora geram audiência em ambos os ambientes.
Enquanto a lista poderia continuar, no final das contas uma coisa está clara sobre a evolução do mundo do streaming. Para manter os consumidores engajados, todos os players da indústria tiveram que se adaptar e implementar diferentes estratégias. O conceito de exclusividade, que era tão valorizado antes, perdeu força, uma vez que a maioria dos conteúdos das plataformas é exclusiva. Quando todos são exclusivos, essa vantagem se perde e algo mais é necessário para capturar a atenção dos consumidores.
Vou me concentrar no ponto que acredito ser crucial na busca das plataformas por se diferenciarem umas das outras e envolverem melhor os consumidores: a produção e distribuição de conteúdo local. Poderíamos gastar algum tempo discutindo porque o conteúdo local é relevante para os brasileiros. Provavelmente, não haverá consenso sobre quais são as principais razões para isso ser verdade. No entanto, o que não pode ser negado é que o interesse pelo conteúdo aumentou consideravelmente ao longo do tempo. A participação da demanda por conteúdo local aumentou de apenas 2% em 2018 para quase 20% em 2023.
Não apenas se constata que a participação geral da demanda por conteúdo local vem aumentando ao longo dos anos, mas, ao fazer análise detalhada dos títulos, se pode identificar que metade dos dez programas de TV mais demandados, que estrearam este ano, são produções locais, comprovando também que as telenovelas ainda são conteúdo de grande sucesso no mercado brasileiro.
Além disso, os atores brasileiros se destacam entre os talentos mais demandados no País, o que significa que os brasileiros também têm grande interesse em seus talentos locais.
NOVA REALIDADE
A demanda por conteúdo local continuará a crescer, dada a sua relevância para o público brasileiro. Em ambiente competitivo, as plataformas globais não conseguirão aumentar sua participação na demanda e, portanto, sua base de assinantes, se dependerem exclusivamente de "conteúdo global exclusivo", como faziam no passado.
Não me interprete mal, esse tipo de conteúdo ainda é muito relevante e deve ser usado para atrair novos assinantes, mas simplesmente não é suficiente para mantê-los envolvidos. À medida que entramos em nova era de streaming, o desafio que todos os distribuidores de conteúdo enfrentam é como reter e maximizar o valor desses clientes. É aí que entra o conteúdo local. Aqueles que conseguirem satisfazer melhor os consumidores, expandindo seu catálogo com variedade maior de conteúdo (local e não local), combinado com outras estratégias (que não mencionei), terão sucesso nesta nova era.